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Mais uma obra de arte na Aldeia da Dona
"O Cavador"
Vem da vinha, cansado, o cavador. No bolso traz a chave de casa que lhe promete descanso, ao ombro a enxada de uma vida. Corpo hirto e rígido, o cavador caminha por entre as veredas até à Aldeia da Dona. Antes de chegar às casas, dobra-se ligeiramente, tira o chapéu e saúda com reverência os que já partiram. E ali ficou, em frente ao cemitério, lugar de memórias eternas, porque foi assim recordado. "O Cavador" é a mais recente obra de arte que povoa a pacata aldeia do concelho do Sabugal, e o imaginário dos seus cada vez menos habitantes. Depois d' "O Lavrador", erigido em 1990, e "O pastor", em 1995, surge agora "O Cavador", mais uma das figuras que moram na memória de todos quantos conhecem as suas raízes. Kim Prisu (Joaquim Borregana), e A. L.Tony (António Pinheiro Leitão), são os criadores desta obra de arte em ferro. Homenagear a aldeia com a recriação de figuras que já escasseiam é, como refere Kim Prisu, «um sonho muito antigo». Um sonho que lhes consome os dias e lhes faz doer a alma. Porque «muitas vezes as pessoas não entendem que isto é arte» e porque «ninguém nos ajuda a fazer nada». «Nunca ganhámos um tostão», garante Kim Prisu, «é só gastar». Mas que ao menos houvesse reconhecimento, defende.
"O Cavador" levou cerca de três dias a fazer, no entanto foram necessários anos para reunir todas as peças de ferro necessárias. É que as únicas peças que os artistas utilizam nestas obras são ferros de alfaias agrícolas. Um arado, uma enxada, um ancinho, uma forquilha. Qualquer um destes objectos pode dar à luz um membro, uma peça de vestuário, um órgão destes homens de ferro. "O Cavador" possui estômago, pulmões e coração. As vértebras são pequenos ancinhos de uma qualquer horta, os braços parecem lâminas cortantes e as mãos assustam pelo pontiagudo das unhas, feitas com uma forquilha. De olhos voltados para o cemitério, o cavador franze as sobrancelhas e tira o pesado chapéu de ferro. Kim Prisu explica que o local foi escolhido porque faz parte do seu imaginário infantil «ver o cavador passar por ali ao final da tarde e orar pelos que já partiram». Deste modo, "O Cavador" é também «uma homenagem aos que já estão do outro lado». E quantos deles não foram também cavadores e pararam naquele mesmo local a lembrar o passado. O cavador de Kim Prisu e A L. Tony está quase vestido. A costura das calças é uma qualquer parte de um arado, tem portinhola, uma bolsa para a chaves e um cinto. O colete com mangas também não faltou, bem como o cabelo do trabalhador, que, como explica a rir Kim Prisu «de trás tem o meu cabelo e da frente o do Tony».
Aos artistas não faltam ideias para continuar este projecto de homenagear a memória de um povo. A Dona da Aldeia, uma senhora que carrega centenas de chaves porque era dona de toda uma povoação, o Moleiro e o seu burro, o acordeonista e o contrabandista são apenas algumas das figuras que já idealizaram. Mas é preciso tempo, que a pressa é inimiga da perfeição. Aos poucos mais homens e mulheres povoarão a Aldeia da Dona e a dona da aldeia terá cada vez mais chaves, porque tem cada vez mais habitantes.
Maria João Silva

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